sexta-feira, 8 de agosto de 2014

"Obrigado Gamito!"



Etapa rainha da Volta a Portugal - Serra da Estrela

Ansiada por uma dúzia de ciclistas do pelotão, mas temida pela maioria. 
Apesar de nunca ter sido considerado um trepador nato quase sempre me dei bem com os ares da Serra da Estrela. Ao contrário, por exemplo, da Sra. da Graça.  
Venci “apenas” uma vez no alto da Torre, precisamente no ano que consegui levar a camisola amarela até Lisboa. Não me recordo ao certo, mas além dessa vitória, cortei a meta no ponto mais alto de Portugal continental por mais que uma vez em segundo lugar. 
Além da minha vitória isolado no ano 2000, nunca mais me irei esquecer da subida à Torre do ano de 94, um percurso muito parecendo à etapa de ontem, mas em que as condições climatéricas eram terríveis! Chuva, nevoeiro, frio. 
Eu, o Joaquim Gomes, e o Orlando Rodrigues, cortámos a meta na Torre sem sequer nos apercebermos disso! Eu até pensava que nem sequer tínhamos chegado à Lagoa Comprida! Lembro-me de sermos "bloqueados" por uma multidão de pessoas e imediatamente cobertos com mantas e toalhas. 
Eu só perguntava, a bater o dente: “Então mas anularam a etapa?”. E um outro dizia:” Deixem-nos continuar!”. Mas afinal já estávamos na Torre. 
Em 1998 fiz a subida desde a Covilhã até à Torre em fuga com o conhecido ciclista italiano Vlademir Belli. Ele venceu a etapa e eu vesti a amarela. Mas alguns dias depois perdi a amarela.

Óbvio que a minha expectativa para ontem não era nada semelhante à dos anos que acabei de referir. Nunca me passou pela cabeça vencer, nem sequer chegar com os primeiros. Mas confesso que ambicionava um pouco mais em relação ao que consegui fazer.
As minhas sensações têm vindo a melhorar de dia para dia. E estava com a esperança de conseguir chegar com o grupo dianteiro pelo menos até Seia, antes da subida final para a Torre. 
Antes desta ainda subimos da Covilhã para as Penhas da Saúde, uma das mais duras da Estrela, e ainda de Manteigas para as Penhas Douradas, uma das menos difíceis desta serra. Mas o ritmo forte imposto logo á entrada da Covilhã foi forte demais para as minhas capacidades! E tive que ceder! Curiosamente no mesmo local onde há 14 anos desferi o ataque para a vitória! 
Nessa altura já muitos ciclistas tinham ficado para trás. Segui um ritmo capaz de aguentar os cerca de 45 minutos que ainda iria demorar até chegar ao topo das Penhas da Saúde. E ainda guardar energia para as subidas das Penhas Douradas e da Torre. 
Entretanto já bem perto das Penhas da Saúde fui alcançado por pelotão atrasado enorme (cerca de 30-40 unidades) no qual segui praticamente até final da etapa na Torre.

Independentemente da minha prestação física ter ficado um pontos abaixo da minha expectativa, esta será uma etapa que ficará gravada  eternamente na minha memória. 
Enquanto subia pela centésima vez (ou possivelmente mais) às Penhas da Saúde, tinha noção que esta seria a última vez que estava a fazer com dois dorsais fixados na minha camisola. 
Desfrutei  de cada curva, de cada centímetro de asfalto de uma forma muito intensa. Tentei memorizar tudo. A minha respiração ofegante, as dores musculares nas pernas, braços e costas, o suor a cair em fio pelo queixo e testa, o ladrar rouco do cão que continua no bar/café dos Montes Herminios, mas que já mal se ouve tal a idade avançada do animal, mas sobretudo o apoio do público! Em praticamente toda a subida só se ouvia “Gamito, Gamito, Gamito!”. 
E quanto mais me aproximava das Penhas da Saúde mais eram os incentivos. Até que um senhor, a correr ao meu lado, me disse simplesmente: “Obrigado Gamito”. Não resisti mais! Fiquei com um arrepio que desceu da cabeça aos pés, e desatei a chorar! Demasiada emoção para um homem só! 
Os últimos 2 quilómetros desta subida fiz a chorar, e quase perdia as forças de tanta emoção. Para mim, neste dia, acabara de vencer mais uma vez a chegada à Torre! 
Não cheguei em primeiro, mas sim com mais de 30 minutos de atraso, mas isso foi o menos importante, pois tinha recebido a homenagem da minha vida!

Quando cheguei à Torre, cansado, mas com um sorriso nos lábios, desci da bicicleta e beijei a linha de meta. Aquela linha que tantas alegrias me deu em 20 anos de carreira como ciclista profissional. 

A minha única preocupação neste momento é o meu joelho direito. Ontem cedeu  perante tanta dureza. Mas se aguentou até aqui, não terá outra hipótese senão aguentar mais 3 dias.

O caminho prossegue até Lisboa, pois esse continua a ser o meu destino final desta longa viagem que começou à 30 anos quando participei na minha primeira competição, em Peniche. 

OBRIGADO do FUNDO DO CORAÇÃO!


#ImpossibleIsNothing

5 comentários:

  1. Huauuu se tu choraste ontem meu amigo Vitor Gamito, conseguiste voltar a meter com um nó na garganta ao ler as tuas palavras. Senti o mesmo nó hoje como no dia que te vi perder a volta a portugal para o homem do Benfica e ainda para mais naquilo que tu eras mais forte, o contrarrelógio individual, só que nesse dia foi a tristeza que se apoderou de mim por ver perder um sonho que já perseguias á muitos anos ....Hoje o nó que me voltaste a fazer sentir é sem duvida de alegria.... ver que tu meu amigo estás a ter o teu grande momento, sempre foste considerado por muitos um homem muito reservado, por mim posso dizer que sempre que precisei da tua amizade ela esteve sempre presente.... por isso acredita que tudo o que estás a sentir nesta VOLTA é como se esteja a ser também a minha despedida...GRANDE ABRAÇO VITOR E NO DOMINGO LÁ ESTAREI PARA TIRAR MOS A NOSSA "SELFIE"

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  2. Assim sendo, toma lá mais um "OBRIGADO GAMITO".

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  3. Vitor, nesta volta levaste contigo e alimentaste a ilusão de muita gente que adora o ciclismo e que nunca pode competir, pelos mais diversos motivos. Daí que não estranhes todo o apoio que foste encontrando. Tiveste também o meu (presencial) em Amares, em Braga e na subida ao Larouco. O obrigado desse adepto, podes crer que traduz o obrigado por levares a magia, o sonho e a ilusão de que, tal como eu aos 44 anos, ainda há muito para dar ao ciclismo, muita estrada, muita curva, muitos empenos, muitas paisagens e muita alegria de pedalar.

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  4. Grande Gamito, as lendas não morrem! Encontra-nos-emos por aí, numa qualquer prova/passeio de BTT. Abraço.

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