Vitor Gamito, ciclista profissional entre 1993 e 2004, regressa à Volta a Portugal em bicicleta após 10 anos de interregno e com 44 anos de idade. Um desafio arrojado e que é relatado na primeira pessoa neste blogue e na sua página oficial de Facebook - www.facebook.com/gamito.vitor
quinta-feira, 12 de junho de 2014
Um "abre olhos"
É regra de boas práticas de utilização do Facebook, os posts (textos) serem pequenos, pois os visitantes não têm paciência para ler “testamentos”. Mas vou ter mesmo que quebrar esta regra, pois o turbilhão de sentimentos vivido durante o meu regresso à alta competição é de tal ordem, que será impossível descrevê-los em meia dúzia de parágrafos!
Na Segunda-feira foi dia de prólogo do Prémio Abimota. Um contra-relógio por equipas, muito curto. Na prática foi sobretudo “para a fotografia”, já que os tempos alcançados pelas equipas não contavam para a classificação desta prova. O meu rescaldo deste dia AQUI >> http://on.fb.me/1lacEDi
Na terça-feira a música foi outra. Os cerca de 120 ciclistas tinham pela frente uma etapa bem dura, com cerca de 175km e mais de 2.600 metros de desnível acumulado. Uma bela estreia para quem esteve afastado da competição mais de 10 anos! Mas estava confiante, pois nestas últimas semanas treinei bem, inclusive com 2 estágios na Serra da Estrela, e as sensações em treino foram boas.
Como é hábito nas equipas de ciclismo, há sempre uma reunião antes de cada etapa para delinear a tática para esse dia. Na LA-Antarte essas reuniões são feitas no autocarro da equipa, momentos antes da partida. Todos os ciclistas estão presentes, assim como o diretor Mário Rocha e o diretor-adjunto Miguel Barbosa.
Mário Rocha foi quem deu as diretrizes principais para esta etapa. Além da tática para tentarmos vencer a prova, acrescentou mais uma tarefa aos meus colegas de equipa. Protegerem-me o mais possível para que eu conseguisse chegar integrado no pelotão principal. Na prática significava que eu não teria que mexer uma palha em serviço aos propósitos da equipa.
Sinceramente, não me senti muito confortável com esta ordem. A minha ideia não é ser um fardo a carregar pelos meus colegas. Já não bastava, nesta prova, estarmos em desvantagem numérica de ciclistas em relação a outras equipas, como ainda os meus colegas tinham que se preocupar comigo! Mas é óbvio que aceitei a decisão. Eu próprio estava um pouco apreensivo com as minhas capacidades físicas atendendo á etapa que tínhamos pela frente ser tão dura!
A etapa teve duas fases distintas. Os primeiros 60 quilómetros foram muito planos, mas uma boa parte destes com vento lateral que originou que o pelotão andasse sempre encostado à berma (direita). Na prática andámos quase duas horas a “lamber valetas”, como se diz na gíria do ciclismo.
Nos primeiros 10km da etapa, os ataques eram sucessivos. Até que se formou uma fuga com uns 15 elementos, que rapidamente ganhou uma vantagem de vários minutos. Nesta altura duas equipas iniciaram uma perseguição feroz, o que fez com que o pelotão andasse grande parte do tempo a mais de 50km/h, até a fuga ser alcançada, mas só por volta do km60, altura em que começaram as montanhas da etapa. Posso dizer que nestes primeiros 60km mais planos, andei continuamente em tensão e algum estresse! Muita velocidade em estradas em mau estado. Sobretudo nas bermas, local onde mais andei, de modo a proteger-me do vento lateral. Sempre agarrado com muita força à parte de baixo do guiador (drops), e com a cabeça sempre de lado a tentar ver onde colocava as rodas. No final da prova a dor de pescoço e ombros era enorme! São momentos de estresse, sobretudo para quem esteve tanto tempo afastado!
Como se não bastasse, entre o km 45 e o km 55, as rotundas começaram a suceder, uma após outra. A cada rotunda tinha que fazer um sprint para me chegar de novo à roda do ciclista da frente. Em duas horas de prova terei feito mais de 50 sprints!
Quando iniciámos a primeira montanha da etapa, de um total de 4, eu já ia bastante desgastado, com tantos arranques e variações de velocidade. Nesta altura pensei que não aguentaria no pelotão principal durante muito mais tempo. Passou-me pela cabeça o que estava ali a fazer. Porque razão eu tinha decidido voltar a sentir esta agonia?!
Como é óbvio a minha decisão de regressar à alta competição teve como base as minhas recordações dos bons momentos nos meus tempos áureos como ciclista. Os piores momentos são mais facilmente esquecidos. Até porque felizmente foram em menor número. Mas aquilo que senti na etapa de ontem parecia um dejá vu dos meus tempos nos escalões mais jovens. Sofria imenso para não ficar para trás! Passou-me várias vezes pela cabeça em desistir. Mas dava sempre mais uma oportunidade a mim mesmo. “Vamos Vitor, só mais um pouco!”. Ontem foi semelhante. Ainda mais que tinha os meus colegas sempre a perguntar-me como me sentia e se precisava de alguma coisa. Não podia defraudar a equipa!
Após vários ataques durante a primeira montanha – Luso – formou-se um grande grupo na frente. Eu consegui manter-me sempre na parte da frente do pelotão principal. O meu colega Edgar Pinto, ao ver-me lá na frente ainda me disse: “Estás forte!”. Seria para me moralizar. Mas só eu sei o desconforto que levava pela subida acima, enquanto alguns iam a falar como se nada fosse! Aquele não era o Vitor Gamito que eu estava habituado a ver/sentir!
O grupo em fuga ganhou vantagem e a velocidade do pelotão principal, onde seguia eu e alguns dos nomes mais sonantes do ciclismo nacional, estabilizou. Felizmente para mim!
As montanhas foram sucedendo, bem duras, diga-se, e eu lá me fui aguentando neste pelotão, cada mais reduzido já que alguns elementos iam ficando para trás. Nas rampas mais duras só o meu orgulho e o incentivo dos meus colegas evitaram que eu ficasse também para trás. Um sofrimento e um desconforto que eu já há muito não sentia.
Ao mesmo tempo tentava arranjar uma explicação para estas minhas más sensações. Nada tinham a ver com as sensações que tenho sentido nos meus treinos mais duros. Será que a intensidade que levávamos nesta etapa era assim tão superior à que levo nos meus treinos? Ou será que foi a tensão e a ansiedade que originaram um maior desgaste em mim? Será que foi apenas um dia mau?
Infelizmente não pude levar a minha roda com potenciómetro, pois seria a única forma de comparar a intensidade desta etapa com as dos meus treinos (Watts NP e TSS), e chegar a alguma explicação plausível.
Chegados ao alto do Caramulo, última montanha da etapa, foi um grande alivio para mim. Até Águeda, onde estava instalada a meta final, era praticamente a descer e a rolar. Foram 35 quilómetros muitos rápidos, com curvas alucinantes pela serra do Caramulo abaixo. Mas a descer ia completamente á vontade. O BTT têm sido ótimo para manter a minha técnica e confiança em descida.
Durante a descida, um ciclista de outra equipa ainda me diz: “caramba, que bela etapa para regressares ao ciclismo! Difícil ser mais dura!” Pois é, concordo, até parece que a organização do Abimota me queria pôr à prova. LOL!
Terminei o prémio Abimota integrado no pelotão principal. Para mim uma vitória conseguida “a ferros”!
Uma palavra em especial para os meus colegas de equipa: “Sois ENORMES!!! Obrigado!” Não podia estar integrado num equipa melhor.
Mas não posso continuar a ser um fardo para a equipa! Não é esse o propósito do meu regresso à alta competição. Se esta situação de prova voltar a acontecer, terei que engolir o meu orgulho, esquecer o meu palmarés e descair para um “grupeto” mais atrasado. Terei que encarar estas provas como preparação para um objetivo maior: a Volta a Portugal. Mas não posso prejudicar os objetivos da equipa.
Esta minha participação no Prémio Abimota foi sobretudo um “abre olhos”, para ter consciência do trabalho que ainda tenho pela frente até atingir um nível digno de condição física. Não posso facilitar! Tenho consciência que o tempo que falta até à Volta é muito curto e passa num instante. Como se não bastasse, o mês de Fevereiro, em que estive praticamente sem treinar devido à lesão num dos joelhos, provocou um retrocesso de aproximadamente 2-3 meses na minha condição física.
Mas como não sou de desistir só me resta trabalhar a 120%, chegar à Volta e dar o meu melhor. Até lá, irei continuar a sofrer nas provas que tenho na minha agenda.
Termino com um agradecimento muito especial a todos os que me abordam no inicio e final das etapas, para uma foto ou uma simples palavra. São ás dezenas!!
Este carinho é muito importante para mim.
OBRIGADO.
#VitorGamitonaVolta #nopainnogain
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