terça-feira, 17 de junho de 2014

O Joker


Olá amigos, deixo-vos aqui mais uma crónica em forma de testamento. Não é possível expressar em poucas linhas, tudo o que me passa pela cabeça durante um dia de competição.
De qualquer forma para não correr o risco de perder leitores a meio da crónica, irei dividi-la em ...3 episódios, qual novela! Aqui vai o primeiro.

1ª parte – “O joker”

O fim-de-semana que passou foi de dose dupla. E que dose! Depois de me estrear no Prémio Abimota (crónica aqui - http://on.fb.me/1lyVU93), no qual as minhas sensações não foram as que mais desejei, estava expectante com a minha prestação nas provas deste fim-de-semana, sobretudo na de Sábado, a Taça de Portugal de Elites – Troféu de Oliveira de Azeméis.
Tinha muitas dúvidas para esclarecer. Será que as más sensações foram provocadas pela ansiedade e tensão do meu regresso ao pelotão elite? Ou será que foi do calor repentino e da hora, absurda na minha opinião, a que decorreu a etapa? Ou será que a minha condição física é assim tão inferior em relação ao resto do pelotão?

A única forma que eu conheço para determinar as principais razões para esta minha modesta prestação inicial é através da análise de dados objectivos, nomeadamente potência e frequência cardíaca. Todo o resto é demasiado subjetivo. Por isso, desta vez pedi autorização aos responsáveis da LA-ANTARTE-ROTA DOS MÓVEIS para poder competir com o meu potenciómetro (roda traseira PowerTap). Desta forma pude comparar dados de treinos meus com os dados destas duas provas, que por sinal seriam bem duras, e por isso ideais para tirar boas conclusões.

Bem, mas sobre estas conclusões irei escrever na terceira parte desta crónica, para os mais interessados em performance, análise de dados, enfim, será um texto mais técnico.

O tiro de partida para o Troféu Concelhio de Oliveira de Azeméis , a contar para a Taça de Portugal Elites e Sub-23, foi dado às 14h00. Altura que o sol está a pique. A esta hora estavam 39ºC!! Como se não bastasse já a dureza natural do ciclismo e do percurso que iriamos enfrentar, teríamos que suportar temperaturas elevadíssimas e quase desumanas. Caricato nessa mesma altura estar a ouvir na rádio um alerta da proteção civil para as pessoas evitarem andar na rua àquela hora e não fazerem esforços físicos intensos!
Ok, dizem os entendidos que estes horários é por causa das audiências. Mas quais audiências se a prova nem é transmitida na TV, e à chegada estavam poucos mais que o staff das equipas e alguns familiares dos ciclistas?!

Esta prova teve uma extensão de 155km e cerca de 2400 metros de desnível acumulado. À semelhança da etapa do Abimota, esta também foi muito dura. A maior dificuldade foi a passagem pela tão falada serra da Freita. Curiosamente, com tantos anos de ciclismo e nunca tinha feito esta subida. Entre o ponto mais baixo e o mais alto distam 21,8km, com uma percentagem média de inclinação de 4%, mas os últimos 8km têm uma média de 7,5%. Demorei 55 minutos a fazer toda esta subida!

Os primeiros quilómetros da prova eram os mais planos, supostamente mais fáceis, certo? Nada disso! A velocidade que o pelotão, com mais de 100 unidades, rola dentro das localidades é impressionante! Pedalar em contramão (o trânsito supostamente está fechado) em curvas apertadas sem visibilidade, com viaturas paradas na faixa de rodagem, tangentes constantes, travagens bruscas, pequenas rotundas quase invisíveis, bermas baixas, troços de empedrado em mau estado, ... Tudo isto a 50-70km/h!! É de loucos! O risco de queda ou choque contra uma viatura é constante. Já para não falar nas descidas sinuosas em alta velocidade. Muitas vezes a largura da estrada não é suficiente e lá temos nós que fazer uma travagem de emergência e sair fora da estrada!

Meus amigos do BTT. Acham que a nossa (sim, já a considero também como minha) modalidade é perigosa? Acham que o ciclismo de estrada tem pouca adrenalina? Esqueçam! A tensão é constante e o perigo está sempre eminente. Durante os primeiros quilómetros da etapa quantas vezes eu comparei esta loucura a uma maratona de BTT, e cheguei à conclusão que afinal o BTT até não é assim tão perigoso!

É engraçado, fiz ciclismo de competição durante 20 anos, e só agora, com apenas 3 dias de competição após o meu regresso, consigo analisar o ciclismo de competição de uma outra perspectiva. A de um ciclista amador que lhe deram a oportunidade para integrar o pelotão elite durante 2 meses, com tudo o que isso implica. Até vou mais longe, a perspectiva de um jornalista que pretende fazer uma reportagem sobre ciclismo e ganhou coragem para fazer parte do pelotão elite nacional. Em parte é assim que eu me sinto. Não me consigo considerar mais um ciclista à semelhança de todos os outros, mas sim um convidado, convidado este que tem como missão relatar o empenho, os sacrifícios, as dúvidas, as alegrias e tristezas de um ciclista profissional. E isto só é possível de ser feito se nos pusermos na pele de um.

Mas mesmo sendo “apenas” um convidado especial do pelotão profissional, é importante que faça também parte do espetáculo. Como disse na crónica anterior, não quero nem posso ser um fardo para a equipa que represento. Faz parte da minha maneira de ser, desempenhar as minhas funções ou tarefas de forma irrepreensível. Mas as tarefas que me foram atribuídas pela equipa até ao momento não têm sido muitas, ou nenhumas mesmo. Na prática, as ordens têm sido simplesmente, aguentar-me no pelotão o máximo de tempo possível. Compreendo perfeitamente e só me resta aceitar. Nem eu sei se neste momento conseguiria mais que isto - aguentar-me no pelotão.

É muito bonito quando estamos sentados em frente à TV, a ver um direto de uma etapa de ciclismo. Parece que os ciclistas pedalam tão fácil! “Eu era capaz de ir ali e aguentar-me”, pensamos nós, com uma cerveja numa mão, e uma travessa de tremoços na outra. Ou então, quando estamos num café à beira da estrada, ouvirmos as sirenes da policia e acercarmo-nos à estrada. Vemos um pelotão de ciclistas a passar a 40 à hora, e com uma cerveja fresca na mão gritamos: “vão trabalhar malandros!!”. Já tinha saudades destes “piropos”!
Pois, mas a realidade é bem diferente. E é tão fácil esquecermo-nos dela! No dia seguinte, na reta da partida para o Gerês Granfondo, troquei algumas palavras com antigos colegas meus, grandes nomes da década de 90. Achei curioso um deles dizer: “Epa, apostei uma jantarada em como ias ficar nos 10 primeiros da Volta a Portugal. O pelotão atual está muito fraquinho!”
Achei piada, ou se calhar até não. Eu que no dia anterior tinha apanhado uma sova do tal “pelotão fraquinho”, estava agora a ouvir estas “facilidades”.

Bem, mas além da tarefa principal que a equipa me incumbiu – aguentar-me no pelotão – sinto necessidade de ser mais útil à equipa. Neste momento sinto-me como o joker de um baralho de cartas. Uma carta que em muitos jogos não vale nada, mas que em outros até pode ser uma carta importante. E o que é que este joker tem valido até momento? Analisando friamente, em termos desportivos, nada. Ok, nesta prova consegui ir duas vezes ao carro de apoio buscar líquidos para os meus companheiros, hihi.
Mas em termos de comunicação, muito. Comunicação não só para a equipa que represento, mas também para o ciclismo nacional no seu todo. Nesta área a minha aposta já está ganha, mesmo antes de começar a Volta a Portugal.

Como já referi imensas vezes, não pretendo resultados desportivos. Todo este meu esforço e empenho na preparação para a Volta, é unicamente para a conseguir terminar dignamente e ajudar a equipa a conseguir os seus objetivos. Não contem com um Vitor Gamito ganhador. Não há milagres, já estou com 44 anos e os últimos 10 ausentes da competição. E o pelotão atual não é assim tão fraquinho como o pintam.
Só para termos de comparação, na prova de sábado com os profissionais, levei mais de 10 minutos do primeiro a chegar à meta, e mesmo assim nem foi mau, pois cheguei juntamente com o vencedor da Volta a Portugal do ano passado – o espanhol Alejandro Marque. Já no Domingo, no Gerês Granfondo, uma prova para amadores, e mesmo já muito cansado da prova de Sábado, consegui um segundo lugar com o mesmo tempo do primeiro. E podem crer que nem foi assim tão difícil. O nível é mesmo outro!

Terminei a prova com o tempo oficial de 4 horas e 7 minutos, em 41º lugar a 10m49s do vencedor. Já passava das 18h30 quando me dirigi para o autocarro da equipa para tomar um duche e viajarmos para Paredes, onde os meus colegas iriam pernoitar para no dia seguinte disputarem mais uma prova da Taça de Portugal. Eu como já me tinha comprometido com o Gerês Granfondo, jantei no hotel de Paredes e viajei logo de seguida para a Vila do Gerês. Cheguei ao hotel Águas do Gerês por volta das 23h00. Como costumo dizer, tive que dormir à pressa, pois o despertador iria tocar às 6h30, já que partida para o Granfondo estava marcada para as 8h30.
Mas sobre o Gerês Granfondo falarei na crónica de amanhã.

Mais uma vez agradeço a todos pelo apoio. Até amanhã.

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